Fernando Rios

21/01/2022

Ousamos dizer que, em toda a história do comércio, nenhuma tecnologia nos pareceu mais adequada ao varejo do que o metaverso. Varejo e metaverso estão simbioticamente unidos. Ele é mais do que uma Second Life. É uma “n” lives, quantas o consumidor quiser. Em cada uma delas, pode ser o que quiser. Um herói, um amante, um músico, um cientista, um empresário, um piloto de avião, professor. O metaverso deixou de ser um conceito para ser uma palavra de ordem, um fato concreto, apesar de virtual. Não é algo para hoje ou para amanhã. Mas talvez seja para sempre. Não por acaso, foi o tema mais comentado na NRF 2022, a maior e mais importante feira de varejo do mundo.

 

Eduardo Terra, Sócio-Diretor da BTR Educação e Consultoria, no Webinar pós-NRF, realizado no Harvard Club de Nova Iorque, fez um breve e consistente resumo do que é e do que poderá ser o metaverso. 

 

Ele afirma: “o metaverso ainda é uma incógnita, mas já se vislumbram inúmeras possibilidades.” E cita números: o mercado do metaverso projetado para 2024 é estimado em 800 bilhões de dólares. E complementa: “o dado que mais me impressionou, e tem muito a ver com o metaverso, são números do mercado de NFT- non fungible tokens. Em 2018, ele movimentava US$ 41 milhões; em 2021, US$ 18 bilhões. Um aumento de 400 vezes.”

 

“No plano do entretenimento dos games ele já é uma realidade”, afirma o sócio-diretor da BTR Varese. E propõe uma definição: “Metaverso é a terminologia utilizada para indicar um tipo de mundo virtual que tenta replicar a realidade através de dispositivos digitais. É um espaço coletivo e virtual compartilhado, constituído pela soma de realidade virtual, realidade aumentada e internet.” (*)

 

Walmart

 

Para Eduardo Terra, o metaverso é uma espécie de e-commerce 4.0, realidade virtual 4.0. Ele vai proporcionar experiencias muito mais concretas, apesar de virtuais.

A primeira experiência foi feita pelo Walmart, uma tentativa de criar uma situação de compra online. Um consumidor com óculos tenta emular uma compra. Ele tem à sua disposição todos os elementos: gôndolas, atendimento, carrinho, exatamente como uma pessoa faz compras numa loja real. Para Terra, o objetivo é proporcionar ao cliente uma experiencia melhorada do que seria o e-commerce hoje. Ele comenta: “há uma espécie de gameficação”. E pergunta: “para quem isso vai funcionar como uma experiência B2C?”

 

H&M

 

Outro case está no ramo da moda. É da H&M.  A Hennes & Mauritz é uma empresa multinacional sueca de moda, presente em 74 mercados e com mais de 5000 lojas. O seu modelo de negócio é “Moda e qualidade pelo melhor preço, de forma sustentável”. Para além da sua marca principal, o Grupo H&M também é detentor das marcas COS, Monki, Weekday, & Other Stories, Arket, Afound e Sellp. Eles concluíram que podem fazer uma loja de qualquer tamanho. E criar apenas uma no mundo, sem a necessidade de construir uma por cidade. Depois do checkout é saber onde as compras serão entregues.

 

Carrefour

 

O metaverso deve ser visto também como uma nova economia de produtos digitais. Não como consumo de produtos para serem usados pelo consumidor, mas pelos seus avatares. Eduardo Terra explica que é no “mundo dos games que o metaverso está rodando muito forte. Há muito dinheiro envolvido. Seja em cripto, em token, em dólares. Seria o mesmo dinheiro que as pessoas gastariam em lojas. Em vez de comprar um tênis ou uma roupa, a pessoa compraria para o avatar dela.

 

O Carrefour realizou uma experiência de varejo apenas no mundo digital. Ele montou uma loja dentro do Fortnite, um jogo eletrônico online multijogador revelado originalmente em 2011, desenvolvido pela Epic Games e lançado como diferentes modos de jogo que compartilham a mesma jogabilidade e motor gráfico de jogo. Produziu dois games: Save the World e Fortnite Battle Royale.

 

Embora ambos os jogos tenham sido bem-sucedidos, o Fortnite Battle Royale se tornou um grande sucesso, atraindo mais de 125 milhões de jogadores em menos de um ano e ganhando centenas de milhões de dólares por mês. Um verdadeiro fenômeno cultural. Nesta loja virtual do Carrefour, a compra não vai para a casa do consumidor. Ela é consumida pelo avatar. Se alguém compra uma banana, ela deve ser comida no Fortnite.

 

Boticário

 

O metaverso pode ser uma decisiva ferramenta para educação, tanto nas escolas quanto nas empresas.  Um game fez o Boticário aumentar engajamento de funcionários em treinamentos. A ferramenta, chamada Connect, foi desenvolvida em parceria com a Benkyou, empresa integrante da Gouvêa Ecosystem. Foi criado um game interno que garante aos funcionários um conhecimento maior da empresa e das suas atribuições e premia aqueles que evoluem mais nos conteúdos. O game tem aumentado o engajamento dos funcionários nos treinamentos – que não são obrigatórios.

O Grupo Boticário já investiu R$ 1,1 milhão no game, cuja primeira temporada foi lançada em 2019, ainda com outro parceiro. O valor foi distribuído entre prêmios (os funcionários colecionam bitcoins que podem ser usadas para resgatar cursos online, fones sem fio e tablets, entre outros prêmios), manutenção e construção de conteúdo.

 

Mark Zuckerberg

 

É provável que alguns consumidores paguem muito dinheiro para equipar seu avatar com produtos de luxo. O CEO da Meta, Mark Zuckerberg, espera que esse nicho seja grande no metaverso: “Os avatares serão tão comuns quanto fotos de perfil hoje, mas em vez de uma imagem estática, eles serão representações 3D vivas de você, suas expressões, seus gestos que tornarão as interações muito mais ricas do que qualquer coisa que seja possível on-line hoje. Você provavelmente terá um avatar fotorrealista para o trabalho, um estilizado para sair e talvez até um de fantasia para jogos.”

 

Algumas marcas icônicas que já estão reivindicando o metaverso. A Gucci Garden, no Roblox, vende designs da marca e já comercializou uma única bolsa por mais de US $ 4 mil. A Tommy Hilfiger, braço de capital de risco da Tommy Hilfiger, anunciou uma parceria com a agência de marketing viral EWG Virtual para se concentrar no “v-commerce”. A Burberry criou uma série de NFTs chamadas Sharky B que vivem em Blankos Block Party da Mythical Games. Os personagens incluem acessórios como braçadeiras, jetpacks e sapatos de piscina. A coleção de criação esgotou rapidamente por quase US$ 400 mil. A Balenciaga lançou sua coleção de roupas em Fortnite. Essas skins (roupas para personagens do jogo) são compradas usando V-Bucks, a moeda mundial do Fortnite. V-Bucks são comprados com dinheiro real. A Dolce & Gabbana vendeu sua coleção de nove peças Collezione Genesi no mercado digital de luxo UNXD por US$ 5,7 milhões.

 

Ralph Lauren

 

Patrice Louvet, presidente e CEO da Ralph Lauren Corporation, foi um dos altos executivos que participou da NRF 2022. Ele comenta que a crise fez com que as pessoas repensassem suas vidas e seus planos, criando um momento crítico de inovação. Para se destacar no cada vez mais competitivo mercado de luxo, a grife desenvolveu uma estratégia de atuação comercial no metaverso, se juntando a grandes nomes da moda como Dolce & Gabbana, Hermès e Gucci.

 

“Eu já usei um avatar e ele não estava vestindo uma camiseta polo”, brinca o CEO. “Nós acreditamos na oportunidade que existe em torno desse novo mundo digital e do metaverso. Eu não sei o que vai acontecer, mas existe uma oportunidade aí.”

 

Para Louvet, existem muitos paralelos entre o metaverso e a visão de Ralph, o criador da marca. “Não enxergamos a Ralph Lauren como uma empresa da indústria fashion, mas sim de sonhos […]. A possibilidade de você ser projetado em qualquer lugar do mundo tem muita afinidade com a nossa filosofia, e é isso que o metaverso traz.”

 

GDR Creative Intelligence

 

Em uma das mais procuradas palestras da NRF 2022, Kate Ancketill, CEO and founder da GDR Creative Intelligence, falou sobre as tendências do varejo para este ano, com foco em conceitos inovadores, comércio alternativo e metaverso. Ancketill iniciou a palestra reforçando a ideia de que o futuro não será somente online. “O físico é e será parte integrante da nova realidade do varejo, numa função simbiótica ao online, facilitando essencialmente a experiência sensorial do consumo e potencializando a relação da empresa com os clientes e terá papel estratégico no apoio logístico e de last mile”.

 

Um novo consumidor

 

Eduardo Terra chamou a atenção para a terminologia geral utilizada na NRF 2022: Covid, gente, comunidade, inclusão, metaverso, tecnologia, crescimento, engajamento, supplay chains, 5G, mudança, diversidade, dados, equidade, cliente, robôs, inteligência artificial, aceleração, incerteza, ecossistemas, liderança, transformação.

 

E depois destacou aquelas referentes ao metaverso: POAP, teleportation, AI, virtual reality, tokens, cloud, stremer, multiverse, Community, EFT, virtual land, augmented reality, data, games, avatar, singularity, machine learning, ecosystems, block chain, decentralize, virtuality. Ele destacou a sigla POAP — abreviação de Proof of Attendance Protocol — crachás digitais dados às pessoas como forma de provar sua participação em qualquer evento de metaverso.

 

Daqui para frente, os estudos, as pesquisas sobre varejo deverão fundir as duas terminologias e utilizá-las para identificar o perfil de um novo consumidor. Uma discussão importante é como o metaverso se relaciona com gerações e como estão as questões ligadas a legislação e regulamentação. O que as pessoas podem ou não podem fazer no metaverso?

 

Muitos temas foram discutidos a propósito do metaverso na feira. Mas queremos chamar a atenção para um que não foi tratado: a psiquê do novo consumidor que vai interagir com o metaverso. 

 

Não é de hoje que o marketing em geral e o marketing digital, em particular, se preocupam com o/a consumidor/a e com seus múltiplos papeis: solteiro/a, namorado/a, casado/a, pai/mãe, filho/a, no trabalho, no lazer, nos estudos, nos esportes, com amigos/as, na primeira infância, como criança, adolescente, adulto, na terceira e na quarta idade.

 

Em cada um desses momentos, o ser humano pode assumir várias identidades, várias personalidades. Essas várias personalidades vão se fundir com as personalidades dos vários avatares a serem experienciados no metaverso. 

 

Se nas plataformas de metaverso os consumidores poderão consumir seus desejos mais recônditos, em algum momento eles precisarão voltar à vida real. As frustrações serão as mesmas, diminuirão ou aumentarão? 

 

Os consumidores que adoram carros de luxo, se contentarão em dirigir um veículo numa estrada do Sul da França ou pilotar um iate no mar Egeu, na Grécia, virtual mente, e depois encararem a realidade?

Os profissionais da mente que se preparem. Certamente, eles terão muito trabalho.

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(*) É possível baixar o relatório Into a metaverse, e-book da Wunderman Thompson Intelligence aqui: https://www.wundermanthompson.com/insight/new-trend-report-into-the-metaverse

Neste endereço, está uma experiência da Adidas:

https://www.adidas.com/into_the_metaverse

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